segunda-feira, 31 de março de 2014

Mulheres contra a ditadura

Eu não fui, mas vale o registro. Tenho certeza de que foi emocionante a homenagem que aconteceu hoje a grandes guerreiras que cerraram fileiras contra a ditadura militar brasileira. Apesar do silêncio dos livros, a história do Brasil está cheia de personagens femininas também.





sábado, 29 de março de 2014

Homenagem à pesquisa do Ipea

Em alguma manhã desta semana, a manchete não era novidade para nenhuma mulher: pesquisa do Ipea revela que 65% dos brasileiros acham que mulher que usa roupa curta merece ser estuprada."

Apesar de a pesquisa não mostrar nada além do que a gente já está careca de saber, serviu para alarmar muita gente que não percebe o grau de machismo presente em nossa sociedade nem o quanto isso é violento.

Em homenagem a essa pesquisa, compartilho o texto a seguir. Pode parecer extenso, mas representa apenas uma amostra ínfima do incessante bombardeio de machismo que as mulheres recebem diariamente.



Sou homem.

Quando nasci, meu avô parabenizou meu pai por ter tido um filho homem. E agradeceu à minha mãe por ter dado ao meu pai um filho homem. Recebi o nome do meu avô.

Quando eu era criança, eu podia brincar de LEGO, porque "Lego é coisa de menino", e isso fez com que minha criatividade e capacidade de resolver problemas fossem estimuladas.

Ganhei lava-jatos e postos de gasolina montáveis da HotWheels. Também ganhei uma caixa de ferramentas de plástico, para montar e desmontar carrinhos e caminhões. Isso também estimulava minha criatividade e desenvolvia meu raciocínio, o que é bom para toda criança.

Na minha época de escola, as meninas usavam saias e meus amigos levantavam suas saias. Dava uma confusão! E então elas foram proibidas de usar saias. Mas eu nunca vi nenhum menino sendo realmente punido por fazer isso, afinal de contas "Homem é assim mesmo! Puxou o pai esse danadinho" - era o que eu ouvia.

Em casa, com meus primos, eu gostava de brincar de casinha com uma priminha. Nós tínhamos por volta de 8 anos. Eu era o papai, ela era a mamãe e as bonecas eram nossas filhinhas. Na brincadeira, quando eu carregava a boneca no colo, minha mãe não deixava: "Larga a boneca, Juninho, é coisa de menina". E o pai da minha priminha, quando via que estávamos brincando juntos, de casinha, não deixava. Dizia que menino tem que brincar com menino e menina com menina, porque "menino é muito estúpido e, principalmente, pra frente". Eu não me achava estúpido e também não entendia o que ele queria dizer com "pra frente", mas obedecia.

No natal, minha irmã ganhou uma Barbie e eu uma beyblade. Ela chorou um pouco porque o meu brinquedo era muito mais legal que o dela, mas mamãe todo ano repetia a gafe e comprava para ela uma boneca, um fogãozinho, uma geladeira cor-de-rosa, uma batedeira, um ferro de passar.

Quando fiz 15 anos e comecei a namorar, meu pai me comprou algumas camisinhas.
Na adolescência, ninguém me criticava quando eu ficava com várias meninas.
Atualmente continua assim.

Meu pai não briga comigo quando passo a noite fora. Não fica dizendo que tenho que ser um "rapaz de família". Ele nunca me deu um tapa na cara desconfiado de que passei a noite em um motel.

Ninguém fica me dando sermão dizendo que eu tenho que ser reservado e me fazer de difícil.
Ninguém me julga mal quando quero ficar com uma mulher e tomo a iniciativa.

Ninguém fica regulando minhas roupas, dizendo que eu tenho que me cuidar.
Ninguém fica repetindo que eu tenho que me cuidar porque "mulher só pensa em sexo".

Ninguém acha que minhas namoradas só estavam comigo para conseguir sexo.
Ninguém pensa que, ao transar, estou me submetendo à vontade da minha parceira.
Ninguém demoniza meus orgasmos.

Nunca fui julgado por carregar camisinha na mochila e na carteira.
Nunca tive que esconder minhas camisinhas dos meus pais.

Nunca me disseram para me casar virgem por ser homem.
Nunca ficaram repetindo para mim que "Homem tem que se valorizar" ou "se dar ao respeito". Aparentemente, meu sexo já faz com que eu tenha respeito.

Quando saio na rua ninguém me chama de "delícia".
Nenhuma desconhecida enche a boca e me chama de “gostoso” de forma agressiva.
Eu posso andar na rua tomando um sorvete tranquilamente, porque sei que não vou ouvir nada como “Larga esse sorvete e vem me chupar”. Eu posso até andar na rua comendo uma banana.

Nunca tive que atravessar a rua, mesmo que lá estivesse batendo um sol infernal, para desviar de um grupo de mulheres num bar, que provavelmente vão me cantar quando eu passar, me deixando envergonhado.

Nunca tive que fazer caminhada de moletom porque meu short deixa minhas pernas de fora e isso pode ser perigoso.
Nunca ouvi alguém me chamando de “Desavergonhado” porque saí sem camisa.
Ninguém tenta regular minhas roupas de malhar.
Ninguém tenta regular minhas roupas.

Eu nunca fui seguido por uma mulher em um carro enquanto voltava para casa a pé.

Eu posso pegar o metrô lotado todos os dias com a certeza que nenhuma mulher vai ficar se esfregando em mim, para filmar e lançar depois em algum site de putaria.

Nunca precisaram criar vagões exclusivamente para homens em nenhuma cidade que conheço.

Nunca ouvi falar que alguém do meu sexo foi estuprado por uma multidão.

Eu posso pegar ônibus sozinho de madrugada.
Quando não estou carregando nada de valor, não continuo com medo pelo risco ser estuprado a qualquer momento, em qualquer esquina. Esse risco não existe na cabeça das pessoas do meu sexo.

Quando saio à noite, posso usar a roupa que quiser.
Se eu sofrer algum tipo de violência, ninguém me culpa porque eu estava bêbado ou por causa das minhas roupas.
Se, algum dia, eu fosse estuprado, ninguém iria dizer que a culpa era minha, que eu estava em um lugar inadequado, que eu estava com a roupa indecente. Ninguém tentaria justificar o ato do estuprador com base no meu comportamento. Eu serei tratado como VÍTIMA e só.

Ninguém me acha vulgar quando faz frio e meu “farol” fica “aceso”.

Quando transo com uma mulher logo no primeiro encontro sou praticamente aplaudido de pé. Ninguém me chama de “vagabundo”, “fácil”, “puto” ou “vadio” por fazer sexo casual às vezes.

99% dos sites de pornografia são feitos para agradar a mim e aos homens em geral.
Ninguém fica chocado quando eu digo que assisto pornôs.
Ninguém nunca vai me julgar se eu disser que adoro sexo.
Ninguém nunca vai me julgar se me ver lendo literatura erótica.
Ninguém fica chocado se eu disser que me masturbo.

Nenhuma sogra vai dizer para a filha não se casar comigo porque não sou virgem.

Ninguém me critica por investir na minha vida profissional.
Quando ocupo o mesmo cargo que uma mulher em uma empresa, meu salário nunca é menor que o dela.
Se sou promovido, ninguém faz fofoca dizendo que dormi com minha chefe. As pessoas acreditam no meu mérito.
Se tenho que viajar a trabalho e deixar meus filhos apenas com a mãe por alguns dias, ninguém me chama de irresponsável.

Ninguém acha anormal se, aos 30 anos, eu ainda não tiver filhos.

Ninguém palpita sobre minha orientação sexual por causa do tamanho do meu cabelo.
Quando meus cabelos começarem a ficar grisalhos, vão achar sexy e ninguém vai me chamar de desleixado.

A sociedade não encara minha virgindade como um troféu.

90% das vagas do serviço militar são destinadas às pessoas do meu sexo. Mesmo quando se trata de cargos de alto escalão, em que o oficial só mexe com papelada e gerência.

Se eu sair com uma determinada roupa ninguém vai dizer “Esse aí tá pedindo”.

Se eu estiver em um baile funk e uma mulher fizer sexo oral em mim, não sou eu quem sou ofendido. Ninguém me chama de "vagabundo" e nem diz "depois fica postando frases de amor no Facebook".
Se vazar um vídeo em que eu esteja transando com uma mulher em público, ninguém vai me xingar, criticar, apedrejar. Não serei o piranha, o vadio, o sem valor, o vagabundo, o cachorro. Estarei apenas sendo homem. Cumprindo meu papel de macho alpha perante a sociedade.
Se eu levar uma vida putona, mas depois me apaixonar por uma mulher só, as pessoas acham lindo. Ninguém me julga pelo meu passado.

Ninguém diz que é falta de higiene se eu não me depilar.

Ninguém me julgaria por ser pai solteiro. Pelo contrário, eu seria visto como um herói.

Nunca serei proibido de ocupar um cargo alto na Igreja Católica por ser homem.

Nunca apanhei por ser homem.
Nunca fui obrigado a cuidar das tarefas da casa por ser homem.
Nunca me obrigaram a aprender a cozinhar por ser homem.
Ninguém diz que meu lugar é na cozinha por ser homem.

Ninguém diz que não posso falar palavrão por ser homem.
Ninguém diz que não posso beber por ser homem.

Ninguém olha feio para o meu prato se eu colocar muita comida.

Ninguém justifica meu mau humor falando dos meus hormônios.

Nunca fizeram piadas que subjugam minha inteligência por ser homem.

Quando cometo alguma gafe no trânsito ninguém diz “Tinha que ser homem mesmo!”

Quando sou simpático com uma mulher, ela não deduz que “estou dando mole”.

Se eu fizer uma tatuagem, ninguém vai dizer que sou um “puto”.

Ninguém acha que meu corpo serve exclusivamente para dar prazer ao sexo oposto.
Ninguém acha que terei de ser submisso a uma futura esposa.

Nunca fui julgado por beber cerveja em uma roda onde eu era o único homem.

Nunca me encaixo como público-alvo nas propagandas de produtos de limpeza.
Sempre me encaixo como público-alvo nas propagandas de cerveja.

Nunca me perguntaram se minha namorada me deixa cortar o cabelo. Eu corto quando quero e as pessoas entendem isso.

Não há um trote na USP que promove minha humilhação e objetificação.

A sociedade não separa as pessoas do meu sexo em “para casar” e “para putaria”.

Quando eu digo “Não” ninguém acha que estou fazendo charme. Não é não.

Não preciso regrar minhas roupas para evitar que uma mulher peque ou caia em tentação.

As pessoas do meu sexo não foram estupradas a cada 40 minutos em SP no ano passado.
As pessoas do meu sexo não são estupradas a cada 12 segundos no Brasil.
As pessoas do meu sexo não são estupradas por uma multidão nas manifestações do Egito.

Não sou homem. Mas, se você é, é fundamental admitir que a sociedade INTEIRA precisa do Feminismo.
Não minimize uma dor que você não conhece.

Camila Oliveira Dias

quarta-feira, 26 de março de 2014

Mulher, esposa e jornalismo

Na época em que a escravidão era considerada legítima, pessoas tinham pessoas. Segundo a legislação brasileira atual, animais são considerados coisas, o que permite que pessoas tenham, por exemplo, cachorros. 

Partindo desses casos emblemáticos, é intrigante como pouco ou nada se questione sobre o arraigado costume de atribuir a ideia de propriedade a uma mulher casada. Aceita-se que uma mulher casada seja "a mulher do fulano", embora nunca se faça referência aos homens da mesma maneira. Eles são apenas os maridos – muitas vezes, até hoje, etiquetando seus sobrenomes aos das companheiras. 

Uma mulher (que, melhor do que é, está) casada simplesmente assume um papel jurídico-contratual presumidamente afetivo de cônjuge ou esposa, tão somente uma limitada dimensão do ser mulher. É inadmissível que à mera mudança de estado civil corresponda uma subjacente ideia de patrimônio.

Não obstante, o jornalismo brasileiro do século 21 segue a mesma lógica do domínio de escravos e animais em relação a mulheres casadas, o que é muito mais grave do que inadvertidos leitores de veículos jornalísticos – que não têm tanta responsabilidade nem o compromisso profissional com o bom uso do vernáculo – procederem no mesmo sentido.

É muito raro que uma notícia aluda a mulheres casadas como esposas. Só vejo "mulher do deputado", "mulher do jogador de futebol" e por aí vai. Ok, a linguagem é sexista enquanto resultante de uma sociedade machista. Mas o jornalismo tem um poder único sobre o emprego da palavra, e o respeito à igualdade de gênero deveria ser muito mais cobrado nesse campo.

domingo, 23 de março de 2014

O #RioBlogProg 2 vem aí!



O Encontro Estadual de Blogueiros Progressistas do Rio de Janeiro – #RioBlogProg, que aconteceu pela primeira vez em 2011, terá sua segunda edição entre os dias 9 e 10 de maio deste ano, em que o Brasil sediará a Copa do Mundo e realizará eleições para presidente da República, governadores e parlamentares federais e estaduais.

Em meio à elevação da temperatura política do país, especialmente a partir das jornadas de junho de 2013, o contexto é propício à troca de ideias e à discussão dos atuais desafios da blogosfera progressista para traçar estratégias de enfrentamento de uma série de questões que o concentrado arranjo midiático tem imposto à nossa democracia.

Reunindo toda a comunidade de blogueiros, usuários de redes sociais e de listas de discussão com enfoque progressista do Estado do Rio de Janeiro, o 2° #RioBlogProg certamente será uma oportunidade ímpar para estabelecer contato com todos os que, através de plataformas digitais na internet, fazem o contraponto ao pensamento único da velha mídia. 

Local: Sindicato dos Jornalistas (Rua Evaristo da Veiga, 16 - Centro - Rio de Janeiro/RJ).

segunda-feira, 17 de março de 2014

A mim e a mais ninguém

Está certo que a música brasileira tem uma verve única, um poder e uma força toda especial. Mas a Angela Ro Ro é um desses milagres que só acontecem muito de vez em quando. Rock'n roll do sexy. A mim e a mais ninguém é apenas um hino.




domingo, 16 de março de 2014

Política, guerra no ar

A partir da sucessão de paradigmas epistemológicos sobre todo o conjunto de reflexões teóricas que se propõem a pensar a mediação entre agente social e sociedade,  observa-se claramente, ao longo da história da consagração de saberes, o paulatino reconhecimento de que o elemento poder está presente em todas as relações humanas em sociedade. É como se o poder fosse uma espécie de molécula fundamental inevitavelmente presente nas relações, fazendo parte daquela microfísica aludida por Michel Foucault, a microfísica do poder, que só vem sendo consistentemente enxergada com o olhar detido de reflexões acadêmicas funcionando como microscópio. A princípio, o poder é predominante e facilmente visto no âmbito da – a contrario sensu – macrofísica do poder, isto é, na arena política stricto sensu. Todavia, à luz desse reconhecimento de que há poder em todas as relações humanas interagindo em sociedade, é possível afirmar que a política também está presente em toda a teia social. Como o ar, invisível embora indispensável, seu oxigênio é o poder. 

As duas tradições epistemológicas que refletem dois tipos polares e antagônicos de produção de conhecimento são o objetivismo e a fenomenologia. Enquanto a perspectiva fenomenológica parte da experiência primeira do indivíduo, o objetivismo constrói as relações objetivas que estruturam as práticas individuais. O tipo de conhecimento objetivista, do qual são escolas o positivismo e o estruturalismo, se inspira em uma suposta neutralidade do cientificismo, forte legado do período iluminista; a fenomenologia se insurge contra o objetivismo ao considerar a influência da subjetividade na produção de saberes.

É com Pierre Bourdieu que essas duas correntes são ultrapassadas pela abordagem praxiológica. Com Bourdieu vemos que a sociedade global se estrutura em relações hierarquizadas em dupla dominação: enquanto discurso ideológico e enquanto categoria lógica que ordena a própria representação social (habitus). E toda escolha tende a reproduzir as relações de dominação. Essas relações se organizam em campos, isto é, espaços onde se manifestam relações de poder, o que implica em afirmar que eles se estruturam a partir da distribuição desigual de um quantum social que determina a posição que um agente específico ocupa em seu seio. Destarte, a partir da categoria "campo", verificamos o campo artístico, o campo científico, o campo econômico e o campo da política stricto sensu, entre outros, mas a característica comum a todos os campos é terem autonomia suficiente para se constituir sem, contudo, terem fronteiras impermeáveis. Pelo contrário, a sociedade é complexa e todos os campos interagem entre si.

Meu ponto é: todos os campos interagem entre si, mas, se o princípio de todos eles são relações de poder, o campo político está, na verdade, presente em absolutamente todos os outros em alguma medida. Porque a substância da política é o poder, então tudo é política.

As teorias feministas denunciaram muito bem isso: antes delas, argumentava-se que a política tinha seu espaço próprio, que era a esfera pública. Aí vieram as feministas e mostraram que a política está também dentro de casa, na esfera privada. Agora não podem mais dizer que a dona de casa mexendo panela, enquanto o "chefe de família" garante sua renda, não faz parte de um grande embate de poder.

Quando falamos de poder sempre falamos de política. Poder é a capacidade de imposição da própria vontade a outrem (Weber). E isso é o que move a política. Por mais que qualifiquemos os poderes (como poder econômico, familiar, simbólico etc.), em primeiro lugar, só por ser poder, é um elemento político – nesse sentido, existe uma política lato sensu, essa que está em tudo, e uma política stricto sensu, em que o poder aparece concentrado e escancarado no campo político propriamente dito.

Desse modo, cai por terra uma leitura mais estreita de Marx considerando sempre o poder em uma posição secundária da economia.

Na aula de 7 de janeiro de 1976, no Collège de France, Foucault empreende uma contundente análise não econômica do poder, assumindo o embate entre os tipos de saber como ponto de partida. Pela crítica do discurso científico, a epistemologia revela uma luta, um embate de forças na construção do conhecimento. Segundo Foucault, é possível analisar o poder graças à batalha dos "saberes sujeitados" contra os efeitos do poder do discurso científico. A genealogia é uma tática de batalha para reconstituir o projeto de conjunto do conhecimento, fazendo intervir, a partir das discursividades, os saberes dessujeitados que daí se desprendem.

Daí, Foucault propõe a hipótese de que o poder não se dá, nem se troca, nem se retoma, mas se exerce e só existe em ato. Não é primeiramente manutenção e recondução das relações econômicas, mas, em si mesmo, primariamente, uma relação de força. O poder é essencialmente o que reprime. Em segundo lugar, em sendo o poder relação de força, em vez de analisá-lo em termos de cessão, contrato, alienação ou mesmo em termos funcionais de recondução das relações de produção, deve ser analisado antes e acima de tudo em termos de combate, de enfrentamento ou de guerra. E, invertendo-se a proposição de Clausewitz, finalmente vemos a política como a guerra continuada por outros meios. O poder político (o poder da política stricto sensu), nessa hipótese, teria como função reinserir perpetuamente essa relação de força mediante uma espécie de guerra silenciosa e de reinseri-la nas instituições, nas desigualdades econômicas, na linguagem e até nos corpos de uns e de outros.

Desse modo, deixamos o esquema jurídico de análise de poder, isto é, um esquema contrato-opressão, pelo qual o legítimo se opõe ao ilegítimo, para visualizar o esquema guerra-repressão, ou dominação-repressão, no qual a oposição pertinente é entre luta e submissão. Enfim, sob o poder político, o que paira e o que funciona é essencialmente e acima de tudo uma relação belicosa. Só porque a maioria das pessoas se acostuma com essa violência, de certo modo, silenciosa e invisível, não significa que ela não exista e, muito menos, que não possa ser vista.

E, assim, a violência não explícita, institucionalizada pelos aparatos de civilização, anestesia consciências. Mas isso faz parte da guerra. Essa guerra se chama política e está em tudo. Como o ar.

sábado, 8 de março de 2014

Um dia merecido: porque nascer menina é a maior causa de exclusão do século 21



"Quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede." Rosa Luxemburgo.

"Não acredito que existam qualidades, valores, modos de vida especificamente femininos: seria admitir a existência de uma natureza feminina, quer dizer, aderir a um mito inventado pelos homens para prender as mulheres na sua condição de oprimidas. Não se trata para a mulher de se afirmar como mulher, mas de tornarem-se seres humanos na sua integridade." Simone de Beavoir.

Todo 8 de março, Dia Internacional da Mulher, já sei que vou ouvir o mesmo blá-blá-blá dos que, até de boa-fé, mas com um grau de hipocrisia e/ou estupidez elevadíssimo, não concordam com a data, dos que só nos mimam sem a menor compreensão do que o marco significa – e sem se preocupar em compreender –, dos que reiteram o machismo fechando os olhos para o grave problema da desigualdade de gênero.

De fato, a maior causa de exclusão do século 21 é nascer menina. Pensa que é exagero? Seja você um ser humano pobre, gordo, negro, deficiente físico ou feio, não importa, será sempre pior se você for mulher. Seria até despiciendo dizer, mas é claro que é uma comparação entre gêneros nas mesmas condições. Essa constatação é vociferada pela ONU, mas passa despercebida para a maioria das pessoas. A "invisibilidade" da cruel diferença de tratamento direcionada às mulheres do mundo todo é sintoma da exclusão imposta culturalmente às mulheres. A par dessa "invisibilidade", os números evidenciam um quadro deprimente de violência contra a mulher, considerada na expressão todo tipo de violência, inclusive a simbólica.

Portanto, a data de hoje é, sim, de importância capital. Neste 8 de março, saúdo quem, como eu, sobrevive à maior causa de exclusão do século. Também dou os parabéns aos homens que, enxergando isso, ao menos tentam honestamente não compactuar com o modus operandi social herdeiro do patriarcado. Nossa luta não será em vão. Vamos derrubar as referências estigmatizadas de masculino e feminino, pôr fim à cultura da opressão e da exploração, acabar com a mercantilização de nossas vidas.


Um dia.